Ambição Travestida de Boa Vontade

Lutar contra o Império, mesmo que na Bagaçeiragem & no Deboche, às vezes é uma tarefa ingrata. Não a luta em si, mas os que os filhos de uma puta imperiais fazem da luta pra ganharem dinheiro. É vaidade ferida, eu sei, e justamente por isso fiquei tão puto quando soube tá rolando por aí uma parada que chamam de Marketing Invisível.

Uma filhadaputiçe que usa o que nomeamos de Teatro Secreto & Panfletagem Subliminar para vender produtos.

É por essas e por outras que estamos passando por um período de auto-crítica profunda. De tanto ser contra os dogmas, resolvemos dar uma conferida nos dogmas que nós mesmo criamos. Se estão usando nossas táticas, se institucionalizaram o que era transgressão, precisamos então criar novas linhas de fuga.

Uma coisa que sempre pegou foi nosso sectarismo. O fato de nos esconder sob identidades secretas fez com que abríssemos novas portas, sem cuidar das que já tinham sido abertas. Em outras palavras, deixamos a retaguarda desguarnecida. Foi pensando nisso e numa tentativa de pelo menos fazer algo pra chacoalhar a poeira que decidimos fazer os encontros semanais com novos contatos, novas amizades, numa praça no centro da cidade.

Os outros Delinqüentes são meio anti-sociais pra esse tipo de coisa, até porque eles não acompanham muito de perto a divulgação de nosso trabalho que eu faço na net. Chegam às vezes até discordar dessa divulgação. Por isso, pra que a coisa se realizasse, assumi pra mim mesmo que estaria numa JPP, Jihad Pessoal Provisória. Guerra Santa por que eu iria até o fim, ir a todos os encontros nos sábados, nem que não fosse ninguém e eu ficasse sozinho. E Temporária porque senão aí é foda, convicção é um troço engraçado, mas nos outros.

Não deu nega. No primeiro encontro, num frio desgraçado e eu animalescamente com poucas roupas, não foi ninguém. Quer dizer, o Pablo Herrera & um amigo foram, mas como não tínhamos combinado bosta nenhuma de maneira de nos reconhecer, acabamos cometendo a jumentisse de não nos falar. Bom, pelo menos descobri que não
tenho cara de Ari, ponto pra mim.

O segundo encontro já foi mais massa. Consegui arrastar Sérgio & Fábio e mais pessoas apareceram. O Pablo voltou, dessa vez sem o amigo. Conheci o Maurílio, que nas antigas usava o nick Filósofo Ignorante e participou do primeiro Flash Mob de Curitiba, que veio com Ígor, seu amigo. Mais o Fábio Salvatti, que conheci através do Orkut.
Tomamos umas beras, falamos um monte de merda, damos outro monte de risadas e algumas idéias de Ações Futuras & conjuntas surgiram. Viagens é que não faltaram, nessas rodas de conversa neguinho sempre pira.
Mas algumas Idéias Boas & Realizáveis acabaram surgindo, como pendurar suicidas enforcados em semáforos portando uma mensagem qualquer e fazer stencils de pessoas Atropeladas & Trucidadas em cruzamentos movimentados no centro da cidade. Foi legal ver que a galera tá com muito tesão & com uma criatividade latente. O
Império que se cuide!!

Na falta de um consenso imediato e na necessidade de se fazer algo fácil & rápido, acamos combinando uma parada para o outro fim de semana mesmo. Uma parada simples, quase óbvia, engajar-se na Campanha Vote Nulo.
Aproveitar a época de campanha e chutar essa bola que tá na linha do gol. Fazer algo, qualquer coisa, por mais besta que seja, é fundamental pra unir um coletivo de pessoas nessa coisa chamada cumplicidade.
Marcamos a palhaçada pro outro fim de semana e depois de passar sete dias trocando e-mails & telefonemas, lá estava eu no sábado de novo, plantado na praça com um enorme pano preto barato e uma lata de tinta branca esperando pelos outros malucos. Sérgio tava comigo, Fábio mijou pra trás e os outros Delinqüentes simplesmente
sumiram. Marmita, eu soube depois, passou o fim de semana na casa do primo, internados num Playstation Dois novo.

Pablo furou, Fábio Salvatti furou e o Maurílio pelo menos ligou, dizendo que não iria, mas que seu amigo Ígor, mas dois caras diferentes compareceriam. Beleza, melhor do que nada.

Não demorou muito e apareceram os três figuras. Ígor eu já conhecia do outro encontro, os outros dois eram Allan & Alexandre. Já chegaram com latinhas de cerveja na mão, o que me levou a pensar: ih, vai dar merda. Depois de algum tempo estando ligado da Ilusão Anerística e convivendo com a Deusa, tú começa a dar trela a esse tipo de intuição. Lá pelas tantas estávamos nós, cortando o pano ali na praça mesmo, pintando as letras e limpando o pincel na água do chafariz. A praça é pública ou não é?

Fizemos uma bandeira grande, de dois metros e lá vai porrada. Quando olhamos aquele fundo preto pra lá de punk com as letras garrafais brancas formando a frase: VOTE NULO!, não pudemos resistir.

– Vamos estrear essa porra agora mesmo?
– Demorôôô!!

Do nada, sem termos planejado porra nenhuma, acabamos criando uma bela Zona Autônoma Temporária.

Esticamos nosso pano com a tinta ainda fresca e meio que escorrendo e fomos ao cruzamentos onde os partidários tremulavam as bandeiras de seus candidatos. Foi foda a cara de quequéisso que as pessoas fizeram na em que estendemos a bandeira. Foi uma coisa inusitada, ninguém esperava por aquilo, acostumados que estão com aquelas bandeiras coloridas nos semáforos.

Os cabos eleitorais dos candidatos oficiais foram os primeiros a cair na gargalhada.
– Ha! Ha! Ha! Que merda vocês estão fazendo? Hehehe!!!
Depois foram os taxistas do ponto da esquina e os barbeiros do salão do lado. Sucesso total nossa campanha, pelo menos noventa por cento de Ibope, posso garantir. Teve cenas memoráveis, como três senhoras de idade avançada que pararam pra nos aplaudir. Outra comédia foi quando uma mina partidária resolveu se invocar com a gente. A única, diga-se de passagem.

– Façam isso! Depois o governo irá comer na tijela de vocês.

Fala sério! Comprar encrenca com Delinqüentes como nós é pedir pra levar. Lá fomos nós entender nosso VOTE NULO! Bem na frente de onde ela estava. Ficou nervosa, deu uma porrada com o mastro de sua bandeira na cabeça do Ígor e resolvemos deixar quieto, estávamos em missão de pais, fomos azarar outros. Mina estressada.
Uma das coisas engraçadas da coisa é que os cabos eleitorais se sentiam tão errados diante da cena, sua campanha ficava tão desmoralizada (todo mundo nos aplaudia) que recolhiam suas bandeiras e iam apara outro semáforo. Inevitável que nós gritássemos:

– Tá dominado! Tá tudo dominado!!!

À tardinha fomos embora animados combinado pro outro dia, domingo, uma mega-manifestação nas proximidades da Feirinha do Largo da Ordem, que é onde o povo curitibano costuma ir nos domingos pela manhã.

Seria lá o aglomero. Combinamos a concentração pras onze e trinta da manhã, na frente da Catedral. Eu e Sergio pintamos mais duas bandeiras durante a noite e confiamos que a outra galera fosse levar os mastros.

Umas série de ventos claramente planejados pela Conspiração fez com que nossa mega-manifestação não saísse de nossos mais loucos delírios. Da parte dos Delinqüentes fomos apenas eu & Sérgio. Vini tinha brigado com Marília e tava curtindo uma ressaca abissal, Jean tinha inventado um acampamento inesperado, Fábio estava numa de suas crises existenciais e nem saiu da cama e Marmita, pelo visto, ainda não tinha enjoado do Playstation Dois de seu primo.

Só que nem por isso o Inesperado deixou de ser cômico. Ígor estava sozinho, o resto da galera dele inteira também furou, inclusive o Maurílio, que levaria a máquina fotográfica que nosso amigo artista Sérgio usaria para cobrir o evento. Só que a cena dele no alto da Praça Tiradentes foi algo cinematográfico, no sentido dos Irmãos Marx.

Debaixo de um sol de meio dia, num Raro & Cruel dia de calor em Curitiba, lá estava um maluco sem camisa (ela estava amarrada na cabeça) portando seis Enormes & Escrotas varas verdes de bambú recém cortadas a facão para servirem de mastro. Detalhes, os candidatos oficiais cedem tubos de PVC leves a seus cabos eleitorais, nós, toscos por natureza, só tínhamos bambús mesmo. Chamar aquilo de punk é dar moral demais pros punks.

– Porra véio, ninguém veio?
– Sabe como é, domingo é foda, negadinha seqüelada.
– Mas e aí? E agora?
– E agora? Ah, que se foda! Vamos nós três mesmo.

E assim foi feito. E assim descobrimos que o Caos tá com tudo e não dá prosa. Bastou estendermos nossa bandeira de VOTE NULO! num obelisco ao lado do semáforo alvo que já apareceu um louco todo de preto perguntando do que se tratava. Explicamos a coisa toda e cabamos por recrutar mais um voluntário. O cara topou ficar hasteando a bandeira no sinal enquanto eu o Ígor ficávamos correndo com as nossas, sem mastro mesmo, por entre os carros.

Sérgio, num de seus típicos ataques de bichiçe porque não poderia bater suas fotos, ficou sentando numa sombra apenas assistindo e rindo de nossas palhaçadas. Foi muito divertido e, num certo sentido, até gratificante. A maioria das pessoas aprovavam a nossa causa e achavam digna nossa atitude. Como se não bastasse todo o vento favorável, o Além ainda estava do nosso lado.

Instalaram recentemente aqui em Curitiba aqueles odiosos painéis publicitários nos pontos de ônibus. Poluição visual das mais detestáveis. Acontece que o painel do ponto ao lado de onde estávamos, não sei se já estava trincado ou não sei porque caralho, simplesmente explodiu, caindo uma porrada de cacos de vidro pelo chão. Ainda comentei com uma senhora que estava esperando o ônibus no ponto.

– Os espíritos estão do nosso lado!
E assim ficou, quebrando aos poucos até o fim de nosso ato. Tudo ocorreu de forma que eu sento uma Tranqüilidade & Segurança que nunca tinha experimentado em nenhum outro ataque. Cheguei ao ponto de criar umas das TAZ mais loucas de minha carreira. Estacionou um carro da PM, me ajoelhei no chão e estendi no capô do carro um cartaz com o desenho do Latuff com o dedo do meio em riste (sinal de foda-se) e a frase Anula Brasil. Aos poucos
baixei o cartaz e apareceu minha singela camiseta preta escrito Foda-se. Perfeito, hilários, os policiais apenas riram.

Fazer o que?

Chegou umas horas que eu e Ígor discursávamos feito uns loucos. Eu encarnei o Profeta Alucinado do Descaso eleitoral. Eu dava prioridade pros ônibus, enquanto Ígor não perdoava os carros que tivessem algum símbolo de candidato. Carreata seria o banquete de nossos sonhos. Infelizmente não pintou nenhuma. Não sei se pro nosso azar
ou se pra nossa sorte.

– Não viemos aqui pra pedir voto! Não viemos aqui pra pedir dinheiro! Viemos aqui unicamente pra exercer
nossa liberdade de expressão!!
– Chega de sustentar vagabundo minha gente!
– Ambição travestida de boa vontade! Isso é que é a política!!!

No final das contas do meio dia até as três da tarde ralando no olho do sol, sem almoço, feios, de apé & sem dinheiro. Chega umas horas que cansa lutar contra o Império. Eu me joguei na calçada e me estendi no chão. Ígor sentou-se na mesma calçada escorado num poste. O desconhecido piá de preto revelou-se um heróis da revolução, não parou de mover a bandeira de um lado pra outro o tempo inteiro.

Sérgio por fim não se saiu de todo inútil, ficou como nosso olheiro reparando nos comentários dos transeuntes.
Flagrou o desconhecido de preto pedindo dinheiro pro povo (sujeitinho esperto/ ó a do cara!!) e que muitas pessoas, mas muitas mesmo, perguntavam:

– Quem será que está pagando pra eles fazerem isso?
Isso não só é curioso como também sintomático. Num mundo em que nada foge da lógica do capital, é estranho ver pessoas se divertindo, defendendo uma idéia, sem nenhum dinheiro envolvido. E o mais massa que aquilo pra nós, muito mais do que uma causa defendida, foi um jogo e um jogo muito divertido. Eu diria até insanamente divertido. Tão divertido que não dava vontade de parar. Só paramos porque estávamos definitivamente exauridos de nossas energias vitais. Repito, lutar contra o império cansa.

As fotos não saíram. Teve um povo que até nos fotografou e ficou de enviar depois, mas até agora nada. Nossa estratégias ainda não foram totalmente revistas, mas algo diferente já foi feito, mais pessoas participaram, conheci mais doentes como eu e a coisa vai assim, avançando aos poucos.
Enquanto isso lá vamos nós, com nossa Delinqüência travestida de niilismo.

Texto retirado do livro: Manual Prático da Delinquência Juvenil – volume II
Download aqui:

MANUAL PRÁTICO DA DELINQUÊNCIA JUVENIL VOL 1: http://www.4shared.com/office/pcjfkziH/manual_pratico_vol1.html

MANUAL PRÁTICO DA DELINQUÊNCIA JUVENIL VOL 2:
http://www.4shared.com/office/BmW6b31-/manual_pratico_vol2.html

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